COIMBRA,24 de Setembro de 2025

João Nuno Calvão da Silva: Preservação do português é sinal de prestígio e sucesso

22 de Setembro 2025 Rádio Regional do Centro: João Nuno Calvão da Silva: Preservação do português é sinal de prestígio e sucesso

O professor doutor João Nuno Cruz Matos Calvão da Silva é vice-reitor para as Relações Externas da Universidade de Coimbra (UC) desde 2019. Especialista em Direito da União Europeia, seguiu os passos de seu pai, João Calvão da Silva, antigo Ministro da Administração Interna e catedrático da mesma instituição. Foi estudante Erasmus na Universidade Católica de Lovaina, na Bélgica, em 1999, experiência que descreve como decisiva para o seu percurso, tendo visitado também Freiburg, Florença e Macau durante seu percurso académico.

Nomeado no actual mandato pelo reitor Amílcar Falcão, esteve à frente da Associação das Universidades de Língua Portuguesa, entidade ao qual ainda é ligado. Neste ano destacou-se na liderança do EC2U, aliança multicultural e multilingue formada por universidades históricas (Coimbra, Iași, Jena, Linz, Pavia, Poitiers, Salamanca, Turku e Umeå), e pela integração da Escola Superior de Enfermagem como nova unidade orgânica da UC.

Nesta entrevista ao Campeão das Províncias, ele apresenta os números recorde da mobilidade internacional, detalha os factores que explicam este crescimento, sublinha a importância da produção científica em língua portuguesa e descreve os eixos estratégicos que marcam a acção da instituição no espaço lusófono e europeu, bem como a sua importância para a formação das gerações que construirão o futuro.

 

Campeão das Províncias (CP) – Neste ano lectivo a Universidade de Coimbra deve atingir um recorde histórico de mobilidade internacional. Como avalia a importância desta conquista?

João Nuno Calvão (JNC) – Antes de mais, agradeço ao Campeão das Províncias a oportunidade de explicar este fenómeno de internacionalização a toda a comunidade académica, à cidade de Coimbra, à região e ao país. Focando-nos na mobilidade estudantil, que é a mais expressiva em números, sem esquecer a de docentes e técnicos, importa sublinhar que ela assenta em programas como o Erasmus, pioneiros na livre circulação no espaço europeu e estruturantes para a formação de gerações inteiras.

Mas a mobilidade não se limita à Europa: temos parcerias em várias outras regiões, que permitem o contacto com diferentes realidades e culturas. Trata-se de aprender a respeitar e valorizar a diversidade, encontrando na dignidade da pessoa o que nos une.

Num mundo marcado por guerras, assimetrias sociais e económicas e até riscos de conflitos globais, estes programas tornam-se instrumentos de combate à xenofobia, ao racismo e à discriminação em razão da religião ou do género, por exemplo. Devem, por isso, ser reforçados pelos decisores públicos. Costumo sublinhar que é aqui que construímos uma verdadeira cultura de paz.

 

CP – A sua experiência pessoal como estudante internacional ajuda a compreender esse fenómeno?

JNC – Sem dúvida. Eu próprio o vivi: quando saí do país rumo à Bélgica, fui a chorar. O primeiro mês custou-me muito. Mas depois voltei a chorar, já por razão diferente: eu sempre vivi bem na minha zona de conforto em Coimbra, mas estar com espanhóis, italianos e franceses, contactar com outras culturas, entrou-me no sangue e nunca mais saiu. Foi o impulso que me levou, depois, até à Alemanha, à China e à Itália. Esse percurso internacional marcou de forma decisiva a minha vida pessoal e profissional, e costumo dizer que é também por causa dele que hoje ocupo esta função na vice-reitoria. Hoje existe uma verdadeira cultura de mobilidade na UC. Organizamos sessões de acolhimento e a integração académica e social em estreita articulação entre a Reitoria, a Divisão de Relações Internacionais, os gabinetes das faculdades, a Associação Académica e a Erasmus Student Network.

 

CP – Tendo em conta esta tendência, que dados pode partilhar sobre o fluxo de estudantes que chegam a Coimbra e os que partem para o estrangeiro?

JNC – No último ano lectivo, a UC recebeu 2.014 estudantes incoming. Neste ano lectivo, a tendência mantém-se: até ao início de Setembro já tinham chegado 1.409 estudantes, o que representa um crescimento de 7% em relação ao mesmo período do ano passado, quando eram 1.316. Também as candidaturas aumentaram, passando para 1.646, mais 6,5% do que no ano anterior. Tudo indica, portanto, que voltaremos a alcançar um novo máximo. Fico muito contente por termos feito o ano do recorde histórico.

No movimento inverso, o da saída, registámos 930 candidaturas neste ano lectivo, um aumento de 17% face às 792 do período anterior. O sucesso foi tão grande que, pela primeira vez, a verba nacional de bolsas Erasmus atribuída à UC se esgotou e já não havia verbas sobrantes de contratos anteriores. Isso deixou alguns estudantes sem bolsa, embora lhes seja possível realizar a mobilidade mesmo sem financiamento. Fomos vítimas do nosso próprio sucesso.

 

CP – O crescimento da mobilidade estudantil envolve diversos factores. A que atribui, em concreto, este reforço da procura por Coimbra e o aumento do número de saídas para outras universidades?

JNC – Em primeiro lugar, ao prestígio científico e pedagógico da UC, com as suas oito faculdades e, agora, também a Escola Superior de Enfermagem integrada como unidade orgânica. Em segundo lugar, ao trabalho das equipas chefiadas pela coordenadora Sílvia Silva Dias, e dos gabinetes das faculdades. Em terceiro, aos próprios estudantes: a recepção calorosa, a integração e a vida académica tornam-nos os melhores embaixadores da Universidade de Coimbra. Tudo isto é reforçado por uma estratégia de comunicação que promove sessões em cada faculdade, dinamiza protocolos com mais instituições e cria uma cultura de mobilidade cada vez mais instalada entre os estudantes.

 

CP – O acolhimento de centenas de estudantes estrangeiros exige organização e logística adequadas. Como se estrutura a UC para receber e integrar estes fluxos cada vez mais expressivos?

JNC – Com procedimentos já consolidados: cantinas e serviços, contactos de coordenadores e técnicos, actividades da Associação Académica e calendário próprio para os estudantes de mobilidade. Mantemos um atendimento próximo, presencial e digital. É frequente ouvirmos estudantes dizerem que foram bem acolhidos, que gostaram dos professores e das festas académicas, que se sentiram integrados num ambiente de tolerância, respeito e diálogo.

 

CP – Em termos de diversidade, que nacionalidades se destacam actualmente entre os estudantes que escolhem Coimbra como destino?

JNC – A maior comunidade é a brasileira, tanto em cursos completos como em mobilidade, o que muito nos honra. Entre os países de língua portuguesa, destacam-se Guiné-Bissau, Timor-Leste, Moçambique, Angola, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe. Entre os europeus, sobressaem espanhóis e italianos. Para os que não têm o português como língua materna, a UC oferece cursos do idioma, além de unidades curriculares em inglês em algumas áreas específicas. É importante, contudo, sublinhar que muitos vêm precisamente porque encontram em Coimbra a possibilidade de estudar em português, e não em inglês. A aposta no inglês é complementar, mas a centralidade da língua portuguesa é a marca identitária da UC.

 

CP – O senhor é um defensor da língua portuguesa no ensino superior. Como é possível compatibilizar esse princípio com as exigências de internacionalização e os critérios dos rankings globais?

JNC – A UC deve permanecer como grande universidade de língua portuguesa. Em áreas como o Direito, publicar em português é essencial para a formação e a prática forense em todo o espaço lusófono, ainda que isso não pese tanto nos rankings. Mas também publicamos em inglês quando adequado. Trata-se de equilibrar prioridades: honrar a nossa história sem perder competitividade internacional. Eu tenho dito muitas vezes que apostar apenas no inglês seria um erro e até um empobrecimento. A Faculdade de Direito, por exemplo, continua a publicar em revistas centenárias de prestígio em língua portuguesa, como a Revista de Legislação e Jurisprudência, que influenciam a jurisprudência em todo o espaço lusófono, mesmo que não sejam contabilizadas nos rankings. Não podemos ceder apenas a lógicas mercantilistas: a preservação do português é também sinal de prestígio e de sucesso.

 

CP Para além da mobilidade, a cooperação académica da UC assenta em eixos estratégicos mais amplos. Quais são hoje as prioridades institucionais neste campo, tanto no espaço lusófono como europeu?

JNC – O primeiro é a língua portuguesa. A UC presidiu à Associação das Universidades de Língua Portuguesa (AULP) entre 2021 e 2024 e assumiu agora a vice-presidência para o triénio 2024-2027. A AULP é uma rede com mais de 140 instituições, a segunda ONG lusófona mais antiga, e representa uma plataforma estratégica para reforçar a cooperação científica e académica no espaço da língua portuguesa.

O segundo é a integração europeia. A UC integra a EC2U – European Campus of City Universities, aliança de nove universidades. Em Maio passado, acolhemos o maior Fórum EC2U de sempre, com quase 500 participantes. Temos mestrados conjuntos em áreas como Cidades Sustentáveis e Geografia da Saúde, embora com dificuldades de harmonização de regras académicas e financeiras, porque não existe ainda um quadro europeu uniforme e porque o Estado português, ao contrário de outros, não atribui financiamento suplementar. Apesar desses desafios, Coimbra é considerada uma das boas práticas da Comissão Europeia nesta rede.

 

CP – Que balanço faz destes anos de mandato como vice-reitor e que marca gostaria de deixar para a Universidade?

JNC – Fico com a consciência tranquila de ter servido com seriedade e dedicação, em equipa. Os resultados – o crescimento sustentado da mobilidade incoming e outgoing, o protagonismo nas redes lusófonas e europeias e o reforço da cultura de acolhimento – pertencem à instituição e aos estudantes que por aqui passam. No plano pessoal, não me preocupo tanto com a forma como serei recordado. O que me preocupa é poder dormir de consciência tranquila, saber que fiz o melhor que pude e que deixo um exemplo de integridade e serviço público aos meus filhos, inspirado no exemplo que recebi do meu pai. Essa é a marca que gostaria de deixar: a de uma vida honesta, dedicada e comprometida com a Universidade e com a sociedade.

Por Marcelo Domingues Tomaz

Publicado na edição em papel do Campeão das Províncias de quinta-feira, 18 de Setembro de 2025

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