COIMBRA,20 de Outubro de 2025

FÓLIO: Lionel Shriver admite que inteligência artificial pode ser a morte da língua

20 de Outubro 2025 Rádio Regional do Centro: FÓLIO: Lionel Shriver admite que inteligência artificial pode ser a morte da língua

Foto – Rui Cardoso Martins, Lionel Shriver e Isabel Lucas

A jornalista e escritora norte-americana Lionel Shriver manifestou-se, este domingo, muito preocupada com a Inteligência Artificial (IA), pela diminuição da qualidade da escrita, e por ser uma ameaça à aprendizagem da escrita e da própria língua. O receio foi manifestado durante uma conversa com o autor Rui Cardoso Martins sobre o tema “Morte”, na última mesa de autores do FÓLIO – Festival Literário Internacional de Óbidos.

“Estou preocupada com os miúdos serem educados pela IA, e por a IA escrever por eles. Isto é uma catástrofe, porque escrever é pensar e, se não escreverem, não aprendem a pensar”, justificou a autora de “Mania” e “Vamos ou ficamos?”. “Pôr os pensamentos em palavras é uma forma de pensar. Se as crianças não aprenderem a escrever, não vão aprender a própria língua. Isso é a morte da língua”, alertou. Lionel Shriver confessou que, quando surgiu a IA, não sentiu a sua profissão ameaçada, e continua a não estar convencida que uma máquina possa escrever um romance como ela escreve, por estar continuamente a mudá-lo. “Mas agora estou muito preocupada. Preocupa-me que as pessoas, mesmo sendo leitoras, estejam menos atentas à qualidade da escrita, mais do que os escritores, e possam contentar-se com textos mal escritos”, explicou. “A IA consegue criar romances, e temo que as editoras comecem a publicá-los, pois é muito mais barato.”

“A IA mastiga as obras de toda a gente. Não uso, nem tenho idade para o fazer”, afirmou o escritor português. “Dou aulas na Universidade Nova e na Lusófona, e estou numa luta muito grande. Digo aos meus alunos que, se estão a aprender e a viciar a escrita, vão escrever todos as mesmas coisas, e matar a imaginação”, referiu. “Com a IA, escrevem mais ideias banais e dão menos erros. Vejo logo que não foram eles que escreveram”, observou. “Se não estiveres disposto a conhecer-te melhor, a tua escrita será um engano.” Autor de “As melhoras da morte”, Rui Cardoso Martins decidiu escrever o livro após ter lido um obituário, em que um jornalista descrevia a morte de um governante como uma morte metafórica. “A morte nunca é metafórica”, sublinhou. “O primeiro capítulo foi traduzido para inglês como a ‘convalescença da morte’, o que se aplica tantas vezes quando alguém melhora poucas horas antes de morrer. De repente, parece que fica com esperança, e arranja força para se despedir de quem gosta.”

Humor e morte

“Fui à procura do mistério do suicídio. Para falar de coisas muito sérias, que estão na origem de traumas de infância, o humor tem de entrar”, defendeu Rui Cardoso Martins. “É muito mais fácil pensar nestas coisas sérias quando nos são dadas de forma adocicada”, concordou a escritora norte-americana. A forma alternativa, acrescentou, é fazer com que os leitores se apaixonem pelas personagens, e depois matá-las. “Um dos meus maiores feitos literários foi pôr os leitores a chorar. Gostamos de nos sentir comovidos. É como uma perda segura. Podemos sentir a morte, através da ficção, como se fosse um ensaio.”

Rui Cardoso Martins disse que “a morte está em quase todas as grandes obras”, dando o exemplo de “A morte de Ivan Ilitch”, de Tolstoi. “Antes de morrer, não sabemos exatamente como é a morte. Embora haja estudos sobre a morte cerebral, e o regresso [à vida]. Não vejo a morte como um espectro, mas como uma coisa inevitável. O humor não serve para aligeirar as coisas, mas para aprofundá-las”, defendeu. Já Lionel Shriver considerou que “a morte é uma experiência dos vivos, porque a pessoa que sobreviveu para contar essa história não morreu.”

GRUPO MEDIA CENTRO  |  SOBRE NÓS  |  ESTATUTO EDITORIAL  |  CONTACTOS

AS NOSSAS RÁDIOS

 

Todos os direitos reservados Grupo Media Centro

Rua Adriano Lucas, 216 - Fracção D Eiras - Coimbra 3020-430 Coimbra

Powered by Digital RM