A Câmara Municipal de Cantanhede deliberou aprovar o accionamento dos procedimentos administrativos para que seja atribuída a Classificação de Conjunto de Interesse Municipal a dois palheiros da Praia da Tocha, designadamente o antigo Posto de Turismo e a actual sede da Associação de Moradores da Praia da Tocha.
Contando já com o parecer favorável da Direcção-Geral do Património Cultural, a iniciativa visa promover o reconhecimento do valor identitário das referidas construções palafíticas intrinsecamente ligadas à Arte-Xávega local, assinalando e preservando a sua singularidade face a todas as outras ao longo da costa Norte portuguesa, de modo a acentuar a sua expressividade sociocultural e reforçar o seu potencial turístico.
Ambos datados do século XIX, os palheiros foram adquiridos pela Câmara Municipal de Cantanhede e posteriormente transferidos do areal para a entrada da zona urbana, onde foram sujeitos a obras de reabilitação e adaptação para os fins a que se destinavam, bem como para ajudar a manter e estimular a conservação da identidade da Praia da Tocha, que de resto é perceptível em outras construções e na atmosfera urbanística que a caracteriza.
Ao avançar com o processo de Classificação de Conjunto de Interesse Municipal do antigo Posto de Turismo e da actual sede da Associação de Moradores da Praia da Tocha a autarquia propõe-se assegurar a “manutenção fiel das características dos palheiros, no tocante aos seus elementos estruturais, arquitectónicos ou decorativos e, com recurso a técnicas e materiais iguais, idênticos ou compatíveis com os existentes à data da sua construção”, admitindo apenas “substituições totais” caso “se verifique a sua degradação irreversível, devidamente comprovada por relatório prévio e validado após visita técnica ou parecer da Câmara Municipal”.
Este compromisso está aliás na base do parecer favorável emitido pela Direcção Regional da Cultura do Centro à Classificação de Conjunto de Interesse Municipal, uma vez que “integram património cultural os contextos dos bens imóveis que, pelo seu valor de testemunho, possuam com aqueles uma relação interpretativa e informativa”.
Os palheiros em causa são elementos materiais representativos da Arte-Xávega da Praia da Tocha, que teve origem na fixação de pescadores oriundos das comunidades piscatórias do norte do país, os quais, juntamente com os gandareses que trocaram os carros de bois pelas xávegas fundaram o pequeno núcleo populacional temporário que veio a dar origem à zona balnear do concelho de Cantanhede.
Tratando-se de uma actividade desenvolvida entre a Primavera e o Verão, foram surgindo no século XIX pequenos grupos de casario escuro, compostos unicamente de palheiros de tabuado, dispersos no areal e mais tarde alinhados em arruamentos mais ou menos regulares, conforme referem Ernesto Veiga de Oliveira e Fernando Galhano, em ArquiteCtura Tradicional Portuguesa.
Tais construções serviam apenas de habitação ocasional ou temporária aos pescadores que se dedicavam à arte-xávega, que para aqui acorriam na época da safra, abandonando o lugar logo que esta terminava e deixando os palheiros praticamente desertos.
As peculiares e singelas construções são bem representativas da adequação imposta por condicionalismos funcionais e económico-sociais, nomeadamente na inexistência de outros materiais disponíveis; na distância e dificuldade de transporte e comunicação com outras localidades; na sazonalidade da actividade da arte-xávega e na pobreza que em geral caracteriza as comunidades piscatórias, habituadas a uma vida dura e trabalhosa desprovida de confortos, para os quais não se justificava um forte investimento numa habitação temporária.
A tipologia mais comum nos palheiros da Praia da Tocha apresenta na fachada principal uma porta ao meio e duas janelas que a ladeiam, e empenas nas paredes laterais. Muitas vezes as janelas reduziam-se a postigos exíguos. As variações do nível da duna obrigavam, ocasionalmente, a que o acesso às portas fosse feito por meio de rampas ou escadas, com inclinação ou tamanho variável em proporção com o nível da duna. As varandas embelezavam o exterior destes palheiros, sobranceiros ao mar. Muitas delas são ulteriores à construção do palheiro.
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